Vidas de idosos importam:  o pacto pela vida é para todos


Estamos todos no mesmo barco?

A etimologia da palavra pandemia diz que sim. Unem-se duas palavras gregas pan (todo) e demos (povo), com o sentido de “todo o povo”. No entanto, a pandemia não é cega. Ela vê condições prévias de saúde e faixa etária, e delas se aproveita.

A Organização das Nações Unidas (ONU) informou, neste ano de 2020, que em 2030 o número de pessoas idosas será de 1,4 bilhão. Esse número aumentará para 2,1 bilhões, no ano de 2050, em todas as regiões do mundo à exceção da África.

A ONU também informou que em 2050 o número de pessoas idosas será muito maior, cerca de 80%, em países menos desenvolvidos do que na Europa, que, atualmente, representa 25% da população idosa.

Ora, se os números apontam para o aumento do envelhecimento, o óbvio seria atentar para a busca de políticas específicas, eficientes e sustentáveis, com preceitos éticos claros, de forma a garantir a dignidade dessa população tão vulnerável.

O novo coronavírus tem feito seus estragos, mas também tem desmascarado barbáries naturalizadas por uma sociedade muito mais preocupada com o ter do que com o ser. Quem deve viver nesse cenário de alocação de recursos escassos? O jovem, que tem uma vida pela frente e que pode contribuir com seu trabalho, ou o idoso, que já viveu “o suficiente” e, por isso, pode abrir mão de um ventilador em benefício daquele? Questionamentos como esses foram veiculados na mídia e o espaço que eles ganharam, durante todos esses meses, nos leva, forçosamente, a pensar na ideia da prescindibilidade da vida do idoso.

É certo que temos, hoje, um número mais expressivo de normativas internacionais e nacionais de proteção ao idoso, no entanto, sua implementação ainda deixa muito a desejar. De nada adianta a criação de normas se não houver políticas públicas adequadas e a conscientização de todos sobre a necessidade de seu cumprimento. É como arremessar palavras ao vento.

As indagações acima foram acompanhadas de casos ao redor do mundo, em que velhos foram confrontados com perguntas sobre quererem ser levados a uma UTI para serem intubados, ou se preferiam cuidados paliativos, a fim de dar espaço para os mais jovens. Sendo a resposta voltada pela liberação de sua vaga, a atitude era festejada ao argumento de que o altruísmo lhes movia. Ora, que proposta é essa? A de dizer-lhes que simbolicamente já estavam mortos? A de lhes mostrarem que são um peso?

Não se pode banalizar a vida humana. A Constituição da República de 1988 traz, como fundamento, a dignidade da pessoa humana e proíbe, em seu artigo 5º, toda forma de discriminação. E, nesse contexto, o pacto pela vida é pela vida de todos.

As medidas tomadas pelas equipes de saúde, em contexto de pandemia devem ser motivadas, atentando para as evidências científicas, com clareza e transparência, sem perder de vista os dilemas morais envolvidos.

A abordagem da saúde do idoso deve partir de uma perspectiva ampla, não apenas sob o ponto de vista biológico, mas também psicológico e existencial. Na pandemia, a fragilidade se mostra com múltiplas dimensões para todas as pessoas, sobretudo daquelas hipervulneráveis, porquanto a peculiaridade da situação não pode servir de fundamento para se excepcionar a pessoa idosa na assistência à saúde, simplesmente em razão de sua longevidade.

Equidade e solidariedade devem nortear a implementação de políticas públicas. Viver mais não pode ser um castigo a justificar discriminação.

Voltando a pergunta inicial: estamos todos no mesmo barco? A resposta pode ser positiva se pensarmos nesse novo tempo tão exigente em que despedidas são mitigadas, em que a morte ronda a vida. Por isso, resta-nos trazer aqui uma expressão muito trabalhada pelos estoicos: Memento mori. Lembremos de que somos mortais, lembremos de que vamos morrer, lembremo-nos da morte.

 

Maria de Fátima Freire de Sá

Professora da PUC Minas

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