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EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA

O que é preciso saber sobre cada uma delas

Em 2006, o Conselho Federal de Medicina editou a resolução 1.805, pela qual se torna permitido ao médico – com uma regulamentação bem detalhada – limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem artificialmente a vida de doentes em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, respeitada a vontade do enfermo ou, em seu impedimento, de seu representante legal.

Sobre o tema surgiram muitas discussões, as quais foram acirradas com a aprovação da Igreja Católica, através da CNBB, e a discordância radical de alguns setores da advocacia brasileira. Aliás, duas situações surpreendentes porque a Igreja Católica sempre é vista como conservadora e os advogados como um setor bastante avançado. Predominou a oposição da área de direito, culminando com a suspensão (temporária) da resolução do CFM.

Para melhor entender o significado e o alcance dessa resolução, é necessário conhecer, corretamente, o significado de alguns termos. Afinal, muitas pessoas ainda pensam que a aprovação foi dada à eutanásia, no que estão absolutamente equivocados.

A Eutanásia pode apresentar-se como um suicídio assistido ou como um homicídio dito piedoso. O primeiro, quando realizado pelo próprio enfermo, e o segundo, quando a ação letal é perpetrada por outra pessoa. Eutanásia tem origem grega, eu significando boa e tánatos, morte. Portanto, seu significado etimológico é “boa morte”. Tomando apenas por esse lado, pode-se perguntar: quem não deseja uma boa morte, para si mesmo e para as pessoas que ama? Entretanto, a eutanásia é mais do que isso. É o ato deliberado e objetivo tomado para retirar a vida de uma pessoa que está em grave possibilidade de um sofrimento intenso, ou já se encontra nele, em razão de alguma doença incurável. Portanto, é uma ação direta e específica para tirar a vida de uma pessoa que, necessariamente, não está em fase terminal. E isso a caracteriza, indiscutivelmente, como suicídio ou homicídio, dependendo de quem foi o autor da ação letal.

Já a ortotanásia tem como significado etimológico “morte certa”, tanto podendo ser interpretada como a morte para cuja ocorrência já não se tem qualquer dúvida ou, então, a morte correta, aquela que ocorre sem sofrimentos e com o paciente recebendo todo o conforto das pessoas que lhe são próximas. Sem dúvida, é um termo ambíguo, mas com ele se quer definir a condição em que a morte do enfermo não será artificialmente prolongada, utilizando-se recursos extraordinários da moderna tecnologia que, ao invés de proporcionar conforto e tranquilidade, impõe ao enfermo aparelhos, tubos e medicações, muitas vezes repletos de efeitos colaterais, desconforto, dor e sofrimento. Quando se detecta a inviabilidade terapêutica, suspendem-se aquelas que não lhe trazem benefícios genuínos, deixando que a morte ocorra pacífica e naturalmente.

Totalmente em oposição à eutanásia, na ortotanásia não se toma qualquer medida para tirar a vida do enfermo.

A esse procedimento, que há muito anos defendemos, demos o nome de autotanásia e, por haplologia, autanásia, em artigo publicado num periódico médico, no ano de 1992. E o fizemos porque o prefixo grego auto significa “por si mesmo”, sem a interferência de nada ou de ninguém. Assim, autanásia representa a humildade e a submissão da medicina à inexorabilidade da morte, deixando-a acontecer naturalmente, por si só, quando o resgate de uma vida digna se faz impossível. Não significa, de forma alguma, o abandono do paciente. Muito pelo contrário, pois sua exigência maior é o cuidado genuíno do enfermo, proporcionando permanente atenção às suas necessidades e alívio às suas dores ou sofrimentos. Mas também não é afogá-lo em medidas terapêuticas heroicas que, não lhe trazendo nenhum benefício, trarão um sofrimento maior, além de falsas

esperanças para a família, que, assistindo à lentidão do processo tanático, irá acreditar que o enfermo está melhorando, inclusive evoluindo para a cura. Somam-se a isso os custos elevadíssimos de tais procedimentos, que espoliam a família ou os planos de saúde, sem trazer qualquer benefício, senão para quem recebe tais proventos.

Isso posto, podemos afirmar que a autanásia – forma haplológica de autotanásia – é uma ação ética e moralmente correta, enquanto a eutanásia não, constituindo-se em indiscutível homicídio.

De outro lado, estão os defensores da eutanásia, que o são, ou por um total desconhecimento da psicologia do enfermo terminal, ou por serem visceralmente pragmáticos e sem uma perspectiva transcendental da vida, ou ainda pela incapacidade pessoal de lidar com as perdas e o sofrimento. Vejamos rapidamente cada uma dessas razões.

O enfermo terminal vivencia, no decorrer de seu processo patológico, diversas fases psicológicas. Uma delas, como as demais, superável por uma adequada assistência psicológica, é a raiva. Nela, à extrema revolta pela doença que o acomete, soma-se a dor física maltratada e, o que é pior, a dor emocional pelo abandono, pela falta de assistência, apoio e carinho de seus familiares, quando isso acontece. Nessas condições, o enfermo só quer uma coisa: a morte. Por isso pede a eutanásia.

A resposta não será, obviamente, conceder-lhe a morte rápida, mas os cuidados adequados, tanto para a dor física, hoje com possibilidades eficientes de alívio, quanto para o sofrimento emocional, através de uma assistência psicológica dada pela biotanatologia, para o enfermo e para seus familiares.

Uma vez suprido em suas necessidades de atenção, carinho e medicação sintomática – que constituem o que se chama de cuidados paliativos – o enfermo que antes solicitava a eutanásia, agora já não busca mais a morte. Essa é uma experiência que hoje já se encontra bastante sedimentada no mundo inteiro.

O pragmatismo, geralmente materialista, vê a pessoa e sua vida como algo apenas funcional. Se não está funcionando bem, acabe-se com ela. Principalmente se conservá-la resulta em grandes despesas para os que ficam ou, o que é ainda mais indesejável: impede a rápida divisão de uma possível e substanciosa herança. Age-se como se faz com um aparelho que já não funciona bem, nem tem conserto: joga-se no lixo. Mas o ser humano não é um aparelho, não é um boneco estragado, não é um objeto.

O último ponto é a nossa incapacidade de lidar com a dor e com o sofrimento. Se eles ocorrem em nós, buscamos rapidamente analgésicos ou tranquilizantes, não importa a sua verdadeira razão.

Queremos eliminar os sintomas, mesmo sem conhecer as causas. E, com certeza, mantendo as causas, voltarão os sintomas. E se acontece com os outros, fugimos de sua proximidade ou tratamos de silenciá-los.

Descobrindo-se o sentido da vida, a maravilha desse dom precioso que recebemos, sua fragilidade e sua inescrutável importância e significado, com certeza rejeitaremos toda e qualquer ação para se tirar a vida de alguém ou a nossa própria.

Seja lá por que razões e argumentações forem.

A vida é um presente insubstituível e, mesmo com grandes limitações, é única e irrepetível. Isso é suficiente para defendê-la de modo incondicional, desde a concepção até o seu último alento. Sem cortá-la violentamente, mas também sem prolongá-la artificialmente. Por razões como essas, o Conselho Federal de Medicina, mui sabiamente, baixou tal resolução, e, pelas mesmas razões, a CNBB deu a ela a sua aprovação. Afinal, tiveram o belíssimo exemplo de João Paulo II, que, diante da inexorabilidade da morte, recusou-se a ser submetido a tratamentos inócuos, porém caros e traumáticos.

Concluindo, a eutanásia fere o valor fundamental da vida, que é algo que não podemos criar do nada. Se não o podemos, também não podemos simplesmente suprimi-la.

Essa interdição ética e moral, com certeza, se aplica a todas as formas de homicídio, sejam os explícitos, que a todo o momento vemos nos noticiários da mídia, como as formas dissimuladas, tais como a fome, a miséria, a falta de eficiente atendimento médico-hospitalar pelo sistema governamental de saúde e tantas outras que, tal e qual balas perdidas, ceifam vidas, por vezes com requintes de verdadeira crueldade.

Já a autanásia – ou ortotanásia como costuma ser oficialmente denominada – é ética e moralmente válida, pois aceita o fluxo natural da vida, não induzindo nem apressando a morte, mas também não a prolongando artificialmente. Apenas respeita a sua inexorabilidade quando todos os recursos razoáveis da medicina se esgotaram, deixando prevalecer apenas a vaidade tecnológica de quem, sentindo-se deus, não aceita suas próprias limitações humanas.

Evaldo

A. D’Assumpção – médico, professor convidado de Tanatologia, Biotanatologia e Bioética da Faculdade de Ciências Médicas de MG e membro do Conselho Arquidiocesano Pró-Vida.

 

Destaque

“Em oposição à eutanásia, na ortotanásia não se toma qualquer medida para tirar a vida do enfermo, deixando a morte acontecer naturalmente, quando o resgate de uma vida digna se faz impossível” “A autanásia ou ortotanásia é ética e moralmente válida, pois aceita o fluxo natural da vida, não induzindo nem apressando a morte, mas também não a prolongando artificialmente”.

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